segunda-feira, 1 de maio de 2023

 O bispo e as prostitutas 


Faleceu recentemente o bispo emérito de Catanduva, D. Antônio Celso de Queiroz, que também exerceu nos anos 1980 o cargo de vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ele foi um bispo de características progressistas, muito ligado ao povo pobre e humilde. Há uma estória de quando vice-presidente da CNBB, mulheres que compunham a Associação Brasileira das Prostitutas, o procurou para que na reunião anual da entidade, os bispos pudessem ouvir seus pedidos e dramas que enfrentavam no dia a dia. 

Diante de tão insólito pedido feito pelas mulheres que compunham tal associação, D. Celso pediu que viessem tomar o café da manhã com os bispos que participavam da reunião anual da CNBB, em Itaici. No outro dia, elas estavam no local onde os bispos se encontravam hospedados e participaram do café da manhã e tiveram a oportunidade de mostrar aos religiosos todos os problemas que passavam no dia a dia e pediram ajuda para eles. 

Logo após os pedidos feitos, D. Celso afirmou que a presença das mesmas na reunião dos bispos era edificadora e necessária para que os religiosos tomassem conta de uma realidade extremamente difícil. E lembrava aos bispos que, na verdade, era mais fácil Jesus Cristo estar com elas do que com os próprios religiosos. E prosseguiu dizendo que quando estivessem entrando no céu, lembrassem a Jesus Cristo que, os bispos aguardando a possibilidade de entrar na morada eterna, que elas haviam tomado o café da manhã com eles. 

Tal fato nos remonta à célebre passagem em que os fariseus tentaram surpreender Jesus Cristo no episódio envolvendo Maria Madalena. Jesus teve uma resposta aterradora dizendo aos fariseus que aquele que não tivesse pecado, que atirasse a primeira pedra. De um em um, todos jogaram fora suas pedras e retornaram para a casa. 

Infelizmente, muitos religiosos, qual for a denominação dos mesmos, desconhecem a realidade dos mais diferentes grupos sociais, e mantém um distanciamento dessas pessoas como se fossem leprosas, quando, na verdade, deveriam viver a realidade delas para que todos os fiéis fossem chamados à atenção, e dessa forma, assumissem suas angústias, dificuldades e dores. 

Veja o caso do padre Júlio Lancelotti em São Paulo. Ele é criticado por uma grande parcela da sociedade paulistana, principalmente aquela mais rica, e pelos detentores do poder na capital paulista, justamente por defender e estar ao lado dos moradores de rua. Lamentavelmente, essa é uma realidade dura que grande parte da sociedade ignora, apesar de frequentar as mais diferentes igrejas e falar constantemente de Jesus Cristo. 

Porém, a sensação que passa é que nunca leram o Novo Testamento que nos mostra que Jesus Cristo veio de uma das regiões mais pobres daquela época que era Galileia. Tanto é que os sacerdotes, quando ouviram falar de Jesus, disseram que era muito difícil alguma coisa boa vir da Galileia. A Galileia era uma imensa favela, uma região muito pobre da região onde Jesus vivia na época. 

Além disso, Jesus, em sua trajetória divina pela terra, vivia cercado por pessoas marginalizadas da sociedade e os acudia da melhor forma possível, fazendo as mais diferentes curas e amparando-os sempre que necessário. Infelizmente, o que se observa hoje é justamente essa realidade vivida por Jesus na época que esteve na terra. As pessoas ignoram e desprezam os mais pobres e marginalizados da sociedade. 

Deveriam, sim, levar em conta o exemplo de D. Celso e levar essas pessoas a se alimentarem com eles nos lugares em que fazem suas refeições ou mesmo estar com as mesmas em suas realidades cotidianas. E o mais importante: pedir para elas que lembrem Jesus Cristo que um dia estiveram junto delas. 

segunda-feira, 24 de abril de 2023

O Sal da Terra

Assisti novamente o documentário "O Sal da Terra", que conta a epopeia do renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado que, após viajar pelos mais diferentes pontos do planeta, mostra as mazelas humanas e como o ser humano é algo repugnável, não tendo qualquer dúvida em matar seu semelhante da pior forma possível para manter seu poder. 

Na medida em que lentamente passam diante dos olhos do espectador imagens daquilo que parece um “formigueiro humano”, com milhares de pessoas subindo e descendo por um terreno com ângulo de praticamente noventa graus, o fotógrafo narra: “Vi passar diante de mim, numa fração de segundo, a história da humanidade. A história da construção das pirâmides, a Torre de Babel, as minas do Rei Salomão. (…) Eu tinha regressado ao início dos tempos”.

O clima impactante do início permanece até o fim do filme dirigido pelo cineasta alemão Wim Wenders e pelo filho do fotógrafo, Juliano Ribeiro Salgado. A narração do biografado é constante. Ela é complementada com imagens sobre a vida do profissional no momento em que o documentário foi gravado e, claro, com inúmeros registros fotográficos feitos por ele em suas várias andanças ao redor do mundo. Essas muitas fotografias retratam temas envolvendo exclusão social (incluindo populações latinas e africanas pouco conhecidas, trabalhadores e refugiados), além de imagens que chamam a atenção para a necessidade de preservação ambiental.

Em alguns momentos, o documentário abre espaço para a metalinguagem, com o biografado lançando sua lente para a equipe de produção do filme. As fotografias que resultam dessa ação foram selecionadas durante o processo de montagem.

O Sal da Terra é material indispensável para todos os interessados em ter, em pouco menos de duas horas, um vasto panorama sobre quem foi Sebastião Salgado e conhecer (ou rever) parte de seu imenso acervo de marcantes imagens em preto e branco. O ritmo é lento, mas completamente coerente com a proposta de contemplação e reflexão lançada pela dupla que assina a direção.

Contemplação, reflexão e o caráter marcante desses recortes da realidade congelados em preto e branco que são as fotografias de Sebastião Salgado. Esse tripé, facilmente aplicado ao documentário, deixa claro que O Sal da Terra foi produzido não só para prestar uma homenagem a seu personagem principal. A produção nasceu, também, para destacar tanto a função social da fotografia quanto o papel de impacto que a arte pode ter na sociedade.

Há situações dramáticas em que Sebastião Salgado demonstra que a humanidade não tem salvação, de acordo com suas próprias palavras. É o caso de sua cobertura da guerra civil em Ruanda aonde morreram aproximadamente 500 mil pessoas - ou até mais - em um verdadeiro genocídio. São cenas impactantes quando pessoas fogem de uma terra para sobreviverem e não há nenhuma solução a não ser esperar a própria morte. Algo impactante quando Sebastião Salgado nos relata que quando deixou de fazer a cobertura da guerra civil em Ruanda, estava doente. Não acometido por um vírus infeccioso, mas, doente da alma após ver cenas tão impactantes. Ele mesmo confessa que por várias vezes deixou a sua câmera fotográfica e chorou copiosamente.

Há outros países africanos onde Salgado esteve e mostrou, através de suas lentes, como a vida humana não vale nada. Pessoas sendo mortas e morrendo da forma mais brutal possível. Ele nos mostra também a beleza dos animais em diferentes partes do mundo. E, finaliza, de forma belíssima reconstruindo a floresta que havia na fazendo de sua família no Estado de Minas Gerais.

O documentário "O Sal da Terra" é uma forma de protestar contra os desvarios da humanidade. Infelizmente, a história da humanidade é feita de conflitos e muito sangue. É inacreditável que Deus nos criou a sua semelhança e o legado é tanta destruição, violência e mortes.